sábado, 28 de novembro de 2015

O Escritor Fantasma ( uma recontextualização )




Um Polanski. Não se pode dizer que seus filmes sejam engajados, no significado estrito do termo. Talvez libertário - em sua verve libertina -, aliás, um traço pessoal do autor. Entretanto, sua dimensão anarquista, e política, resulta dessa transgressão moral que incomoda àqueles que se preocupam excessivamente com os costumes.

O argumento do filme baseia-se na dissecação do perfil daquele que é o instrumento de um grande embuste político, controlado por um esquema baseado nos interesses do senhores da guerra e seus fantoches, no comando das grandes potências. O príncipe da fábula no entanto, é uma mulher - e sua carga sensual e trágica. O rumo da história e os desdobramentos dessa rede ganham contornos dramáticos, que têm como pano de fundo as relações internacionais, notadamente a política de alinhamento Estados Unidos-Inglaterra.

Essa trama que se situa entre a comicidade e o niilismo, tem como atores, um primeiro ministro, sua manipuladora esposa e um escritor fantasma, que se envolvem em um jogo psicológico, porém como todo filme de Polanski, há um elo entre os três personagens - a inescrupulosidade.

A fotografia calca-se em um matiz neutro e pouca profundidade. Os planos revelam uma paisagem estéril e inóspita, contra uma luz invernal que invade a tela, como que pulverizando a cena - como um efeito teatral -, em enquadramentos muito precisos. Além disso, o cenário e as remotas locações escolhidas, traduzem uma atmosfera absurda e fantástica.

Um Polanski. Talvez, o tema da relação Estados Unidos-Inglaterra e suas guerras púnicas, é que seja a novidade.

Por A.H.Garcia

sábado, 12 de setembro de 2015

BLADE RUNNER - Caçador de Androides





Filme de 1982, que se transformou em dos poucos clássicos dos últimos 30 ou 40 anos. Paris,Texas, de Wenders, também adquiriu esse status, por motivos diversos porém com o mesmo argumento. Repetição e diferença, intensividade.  A perspectiva de fim de século - com contornos proféticos, do fim do mundo -, nutrida por fenômenos culturais e políticos (iminente queda do muro de Berlim e fim da União Soviética), produziram um ambiente mimético definido como "o fim da história" - numa clara alusão à doutrina marxista materialista -, marcado pela dissolução das ideologias - melhor dizendo, da utopia de uma sociedade igualitária representada pelo pensamento da esquerda - e "superação" das contradições que permeavam a economia política capitalista. Como vemos nos dias de hoje -, as contradições longe de serem superadas, deslocaram seu eixo para novos nichos - ou melhor, novas formas de exploração e uma "nova" geografia da correlação exploração-acumulação. Não foi o fim ... Mas, o começo - e, como diz nosso "livro dos livros", "no início era o caos". Afirmou-se então uma nova categoria de interesses, de cujas motivações os valores humanísticos e as utopias eram anátemas.

Desculpem a digressão, mas esse contexto cultural de final de século - que se engendrou do contexto econômico e geo-político da época - foi cunhado ou rotulado sob o termo "pós-modernismo", que representava uma ruptura com a ideologia e o pensamento vinculados à oposição marxismo-capitalismo.

Uma obra de arte pós-modernista. Sem dúvida, o filme esteticamente reflete este conceito. Mas, como toda obra de arte, o extrapola, e recoloca a questão existencial, por mais que retrate um mundo composto de homens e androides ... Em tese, seria uma forma de se suprimir a "mais valia", justificando moralmente as relações econômicas capitalistas, pois não existem explorados.  Por outro lado, se criou uma nova forma de exploração e de reificação, gênese de um novo sistema ético - os androides dão uma uma aula de humanidade e de respeito pela condição humana, se tornando mais humanos que os humanos - talvez, demasiadamente humanos, como diria Nietsche.

Um filme que leva ao limite conceitos estéticos de uma época, e se afirma como limiar de outra ... a gênese da era digital, da comunicação cibernética compõem um substrato tecnológico que lhe perpassa, sínteses de cepa marxista ... obra baseada em livro de Philip K. Dick, autor que mistura experiências metafísicas e universo cyber ... elementos de um devir que logo veio a se afirmar, numa espécie de revolução digital que foi acompanhada de uma nova concepção das relações sociais e uma releitura do papel de suas instituições.

Em paralelo, adquiriu a conotação de cult-movie, graças à sua fotografia e cenografia, inspiradas textualmente pela cidade de Tóquio - sobressaindo-se para mim, a chuva, que nunca para, e cria uma atmosfera muito peculiar -, sua arquitetura e luminosos - um ícone pop, sem dúvida. Assim como a trilha sonora de Vangelis, uma obra à parte.

Foi uma felicidade assistir novamente o filme, e compará-lo com a experiência anterior.


Por A.H.Garcia




   

segunda-feira, 9 de março de 2015

DIVERGENTE

O pano de fundo de Divergente encerra uma discussão secular interessante, a série de classificações que a sociedade define como padrões específicos de comportamento, e os instrumentos de imposição de uma segmentação comportamental hierarquizada segundo uma noção de inclusão massiva, que delimita desvios servindo-se de critérios totalitários utilizados em diversas formas de controle social, que se baseiam notadamente no nível ou grau de enquadramento do indivíduo frente à sociedade e sua submissão à supervisão de uma rede de instituições que operam e regulam a ordem social.

É lógico e evidente, que há uma grande complexidade por trás dessa rede de relações e o buraco é muito, muito mais embaixo. O filme em si, é uma alegoria básica da realidade compressora do sistema - o sistema é bruto ... qualquer cidadão brasileiro hoje sabe disso. E professa isso!

Mas, não podemos deixar passar uma abordagem ontológica. A filosofia moderna, desde Espinosa a Nietszche, e contemporânea com Deleuze e Foucault, fazem críticas radicais à noção de identidade do ser subordinada a atributos hierarquizados e análogos, que reduzem o ser a uma fração infinitesimal da sua substância ou consciência, para afirmar a individualidade e a imanência do ser frente à identidade como conceito eminente. Para Deleuze, a identidade não é condição para a diferença, ela não é seu pressuposto lógico. A diferença é a essência constitutiva do ser.

Acho que o grande mérito do estória e da narrativa é tangenciar essas questões filosóficas - essenciais.

Por A.H.Garcia      

   

domingo, 4 de janeiro de 2015

CAÇADA MORTAL ( A WALK AMONG THE TOMBSTONES )


Trailer 5 do filme Caçada Mortal


Baseado nos livros de Lawrence Block, entretanto  um filme com texto, estilo e temática caracteristicamente Pulp ou Pulp Fiction, como eram chamadas as publicações populares que retratavam o submundo de Los Angeles, em meados do século passado, cujas histórias foram escritas entre outros por  Raymond Chandler e Dashiell Hammet, que publicavam seus contos na principal revista do gênero,  a Black Mask, precedendo e de certa forma inspirarando o gênero comics.

Mas, voltando ao filme, tem todos os elementos daquelas narrativas, o herói em busca de redenção em meio a um mundo-cão onde impera a lei do mais forte, do mais esperto, do mais inescrupuloso, e toda espécie de instintos selvagens e destrutivos evidenciados em um universo marginal e subterrâneo.

O herói,  aqui, é um ex policial que comete um erro fatal -, alcólatra, divorciado,  que vive isolado e faz alguns bicos para sobreviver. Ele conhece rapaz negro que não tem aonde morar e gosta dormir em bibliotecas -, talvez por isto conheça as estórias dos detetives Sam Spade e Philip Marlowe -, que passa a ser seu parceiro. Reside aí a diferença para os filmes thriller que estamos acostumados a ver ... há um dose de sensibilidade que transcende e permeia os personagens, como leitmotiv.

São traficantes, indivíduos abandonados, drogados, psicopatas e assassinos que pululam em mundo submerso em que dia e noite não se diferenciam, significam apenas a repetição de ciclos infernais e purgatórios, à semelhança dos círculos dantescos, submetidos a um comando maior, o sistema.

Liam Neeson se encaixa no papel do ex policial. Ele possui carisma e talento dramático suficientes para dar ao personagem alguma densidade ...

Os assassinatos ritualísticos e o desfecho cru e amoral da estória, são o mote e a conclusão apropriados para o desfile de tipos e situações identificados à narrativa Pulp, se lhe fossemos atribuir uma classificação.

É muito mais Pulp Fiction, que aquele de Tarantino.


Por A.H. Garcia