sexta-feira, 25 de abril de 2008

Billy "The Kid" Wilder

O que acontece quando vc lê a biografia de alguém que ajudou a construir essa indústria cinematrográfica que existe hoje, cujos atores, apesar de transnacionalizarem-se, não mudaram nem um pouco. É fácil criticar desconhecendo todos os matizes de um processo, que é a mais nova das grandes artes, o cinema ou a película, ainda encantador, inebriante, revelador ...

Estou falando de um realizador de filmes, roteirista e diretor, cujas obras resistem ao tempo. Billy Wilder. Segunda geração de cineastas europeus a vir para os Estados Unidos, compôs juntamente com outros de seus contemporâneos a grande era do cinema americano do entre guerras, com filmes cuja temática digredia sutilmente do sistema utilitarista que imperava na época, rico em contradições maravilhosamente exploradas.

Inicialmente, com comédias cujo argumento era sempre o do desencontro e do conflito jocoso, entretanto como ele mesmo revela quando roteirista - a tônica na época, era sempre estar à frente do público com situações insinuantes e inteligentes e diálogos que extrapolassem o senso comum. Nesse tempo a Paramount, tinha uma equipe de 179 roteiristas, entre eles F. Scott Fitzgerald. Todos comandados por Ernst Lubitsch, então o grande Diretor do Estúdio.

Não tardaram a surgir filmes mais rebuscados e conflituosos, com uma grande direção de arte herdada do Cinema Expressionsta Alemão. Cidaddão Kane, de Orson Welles, por exemplo. Billy Wilder, realizou outros tantos como Sabrina, Irma la Douce, Crépusculo dos Deuses, Fedora, Farrapo Humano, Testemunha de Acusação com uma atmosfera sofisticada e humana, que revelavem já traços de uma densidade psicológica proveniente de sua origem européia.

A sua dimensão como motor dessa indústria nos permite não nos atermos a aspectos datados, até porque a ideologia não era o seu forte ... e hoje acho que estava certo। A arte transcende esses limites materiais. O quê ... que permitiu-lhe enveredar por comédias de situação deliciosas recheadas de ícones, e algumas delas tendo como cereja a sensualidade indefectível de Marilyn Monroe ... talvez o avesso do clichê loira burra. Entretanto, não podemos deixar de registrar que "Quanto mais Quente Melhor, o Pecado Mora ao Lado, Sabrina etc.",pertencem a uma outra época do pós-guerra, ávida não pelo sublime mas por sublimar seus impulsos, é o "American Way of Life" ... acho que há nesses filmes algo marcusiano da sexualidade irreprimível, da rendição dos demais objetos ao principal - a libido.

Esse viés subliminar como conceito inclusivo de indústria cultural provavelmente tenha subconscientemente drenado movimentos sociais como os Beats, Contra-cultura, Paz e Amor, Hippies; talvez os tenha também contaminado com o niilismo da geração do entre guerras e também do pós-guerra - que Kubrich representou de forma inequívoca em "Dr. Strangelove", ou através dos impulsos perversos de uma sociedade doente em "Laranja Mecânica". O estranho é que é difícil estabelecer uma relação temática ou estética entre eles, mas sem dúvida há um elemento linguístico que tem em comum o texto transgressor. Subliminar em um, expresso em outro.

Segundo o próprio Billy Wilder, logo que chegou aos Estados Unidos ainda embevecido com aquele mundo novo, Douglas Fairbanks Jr. lhe disse à propósito ...
" isso é só por cima ...". Wilder aparentemente adotou a linha instucional, ficando sempre à sombra do Mainstream Hollywoodiano.

sábado, 19 de abril de 2008

“ O JOGO DO PODER ”



Qual o papel , ou melhor, a importância da ética no mundo atual ... as contra-facções para-religiosas que se mobilizam politicamente dentro de um sistema absolutamente plutocrático, a favor de causas pretensamente humanitárias. Tudo isso ainda no final guerra fria. Uma comédia onde os atores principais são as duas super-potências – com um roteiro imprevisível escrito por um parlamentar americano negligente e a União Soviética e seu sistema de valores desumanos como escada.

O interessante porém é que o maior combustível de tudo isso é uma boa garrafa de whisky; seja um tradicional Bourbon ou Scotch – ele destila através de personalidades as mais excêntricas vulnerabilidade diante da possibilidade onírica do poder ilimitado. No caso do parlamentar Jones: o de transformar uma verba de US$ 5 milhões para guerra do Afeganistão em US$ 1 bilhão, até a saída nada honrosa da ainda União Soviética.

Socialites desocupadas, parlamentares fanfarrões, ditadores e tiranetes, mostram um lado mais uma vez escatológico – porque sempre uso esse termo em filmes americanos -, porém o tom dessa vez, para o bem ou para o mal, é mais irônico, contudo nem um pouco cínico. Tem o mérito de colocar na ribalta, o lado histriônico que a maioria do mundo já percebeu nesse imbrólio que é a política externa americana; o teatro das suas pretensões globais.

Enfim, o filme é uma fábula real de toda política internacional desde o pós-guerra até os anos 80। Esta é a sua verve, propositalmente maniqueísta quanto àquela velha pergunta se os fins justificam os meios... o que é fundamental para se compreender o epicentro das articulações dos acontecimentos contemporâneos, tendo que como trilha sonora os discursos caducos e anacrônicos de um personagem que tem todos os atributos fanfarrônicos do nosso protagonista.

O final reserva entretanto uma reflexão interessante, quando em palavras textuais do próprio parlamentar, ele diz que tinham feito tudo certo, pena que erraram no finalzinho. Futuro ou Retrospectiva ? Essa resposta é fundamental para se entender o modelo de comunicação global e suas diversas facetas dialógicas. Internet, ONG’s e a grande rede de interesses que os permeiam.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

“ O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA ”

Para começar esse texto vou usar uma citação do jornalista polonês, Ryszard Kapuscinski, conhecedor dos problemas africanos, tanto quanto um europeu poderia ser, “ Já pensei em escrever um livro sobre Amin, pois ele é o mais vivo exemplo entre criminalidade e cultura. ”.
O filme entretanto se reporta quase que inteiramente à sua personalidade aparentemente esquizofrênica e suas manias de grandeza. Tudo gira em torno desses impulsos fruto do pânico de perder o poder – derivado de uma grande fraqueza, de associar tal poder à sua própria vida , é este o pathos que a película opta por focar -, o medo do caos que ele próprio gera se volte contra si. Mesmo não sendo o seu objetivo ser documental, o filme peca por se render à uma imagem, um ícone de um problema maior que é turbulência de todo um continente.
O recurso ao alterego europeu contribui de forma de decisiva para a dramaticidade da narrativa – ele catalisa o microcosmo da cúpula do poder, contudo o cenário insaciável, a conflagração étnica latente de uma nação cada vez mais dividida, mereceria uma maior importância na narrativa da película.
O europeu que, inicialmente tenta decupar suas intromissões catastróficas no processo de independência e formação dos países africanos, é tomado pela febre do poder – algo com o qual ele não sabe lhe dar, porque nem sabe que existe em seu conforto blindado -, plasma o Amim que vagava pelas tropas inglesas tratado de forma negligente e indulgente. Neste sentido, Amim foi algoz e vítima.
O filme entretanto não transcende este conflito, mas é muito bom. Os delírios de poder do ditador, suas atrocidades, isso é apenas como diz o próprio Amin, o desejo de ser um deles – assimilado a eles de forma nobiliárquica -, ao que parece ele foi inteligente o bastante para compreender aquela cultura estrangeira e predadora. Este o seu único legado.
“ O Último Rei da Escócia ” é a história de um homem e seu alterego, não por acaso um jovem escocês a ser suprimido em ritual tribal. Um final banal e terrificante. Assim como tem sido tratada a própria África – o pano de fundo das mais profundas e violentas catarses coletivas do último século. Tudo ali se resume à sua identidade, vítima ou predador.

MANDANDO BALA

“ Mandando Bala ” – como descreve Habermas sobre a transição histórica do pensamento, com a Crítica da Razão Pura de Kant como transcendência do método científico tradicional, depois Hegel elaborando ainda de forma seminal a importância da subjetividade em uma Alemanha marcada pela rigidez de idéias para-religiosas, entre o luteranismo fundamentalista e a influência do iluminismo ... desconstrói de forma irônica as verdades que ainda são veiculadas por artefatos de manipulação maciça do poder que transforma processos históricos em blockbusters.

Neste sentido, “ Mandando Bala ” é uma obra de considerável importância, que se utiliza permanentemente conflitos significantes e ambivalentes, remetendo de forma direta aos temas que tentam abafar com discursos vazios.

Seus movimentos revelam uma ação calcada em uma trilha musical pesada, como um videogame, usando a mesma linguagem midiática veiculada pela indústria armamentista – um anacrônico culto fálico de fundo estruturalista -, de que a arma é uma extensão do homem. Mas, mais do que isso, como diz Baudrillard em seu livro “ Estratégias Fatais ”, levou-se ao limite do êxtase tal poder, a ponto de atribuir-lhe uma característica virtual de um super-poder, ligado à sua capacidade destrutiva, vista atavicamente como a única forma purificadora.

Seus personagens possuem todos um tom bizarro, talvez uma antítese dos estereótipos hollywoodianos; talvez elementos que carregam significados subliminares à narrativa. Mônica Belluci como a prostituta que preserva algum sentimento humano; Clive Owen, um personagem cujos movimentos são arquitetados como planos de videogames; finalmente, Paul Giamatti, magistral, com o seu pseudo-psicopata, o impostor ou símbolo a ser combatido pelo herói.

O absurdo dessa situação é denunciado claramente pelo argumento filme, por si só monstruoso e absurdo. Seu herói (?) padece do que poderíamos situar como o “ pathos ” do filme: participação involuntária na morte da mulher e da filha, vendendo armas para o atirador ... As inverossimilhanças são paradoxalmente o que constitui o elemento verdadeiro do filme, pois mostram o lado grotesco de tal instinto, funcionam como chaves – uma regressão à introjeção dos heróis, de indivíduos que têm que redimir toda uma nação e salvar o mundo.

Acreditar nas simbologias jocosas do filme é dar crédito a seu poder massificador. É atribuir ao dilema, a solução mais fácil, e sobretudo isolar a contemporaneidade da trama em seu significado mais óbvio, da obscenidade, do simulacro, das imagens escatológicas sem sentido. A percepção do seu texto - prolífico e radical - como um vírus gerado pela própria hiper-significação da obra, magnificamente explorada pelo autor, deságua em uma epifania cujas imagens mexem com nossos sentidos.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Um gângster marginal

"O gangster" se não fosse um filme, bem poderia ser uma simples crônica policial ou um épico da formação urbana americana – bem verdade, sobre um período relativamente curto, porém bastante intenso. E intensidade é o que não lhe falta, desde seu início fatalista – a morte de um homem singular em uma época conturbada, é um prenúncio de que os intestinos do sistema vão pular para fora.

O paradoxo de uma democracia em que até o crime é organizado sobre bases racistas, invoca que ele é imanente a essa sociedade, uma parte cruel; o aparelho policial também reproduz essa realidade. E esse é outro traço marcante do filme, seu realismo – talvez explicável por ser baseado em uma história real ... entretanto não lhe tira o mérito esse aspecto, pois sua concepção traz à luz a complexidade de uma sociedade que se auto-mutila em suas diferenças aparentes. Algo subjacente a tudo, algo que traduz o universo urbano e suburbano de uma sociedade barbarizada, como se houvesse uma divisão social da frustração humana entre a classe dominante puritana e os que dela não descendem, moral ou geneticamente – obviamente desfavorável à última ...

Italianos, irlandeses e negros co-habitam nesse mundo. Esse é o mote da narrativa, texto onde não são as palavras que marcam; ao contrário, existe um código de sobrevivência que naturalmente leva ao conflito e invariavelmente à morte – seja ela gradual ou abrupta, fruto de uma luta que ultrapassa qualquer categoria, grupo ou classe social, situando-se na esfera do indivíduo – um indivíduo Darwiniano.

E é justamente um indivíduo, no seu sentido literal, forjado entre os dejetos e o lixo da sociedade – reservado aos negros, seja nos campos e arrabaldes sulistas, seja nos guetos das metrópoles -, que protagoniza essa narrativa muito bem captada e contextualizada de uma época. Um homem que consegue transitar entre o velho e novo, um iconoclasta empedernido que viceja naquele submundo, cercado não por cercas de verdade mas por relações internas e externas a ele, enfim por uma ordem inexorável.

Era o cenário perfeito para sua aparição, contra-cultura, hippies e o escapismo provocado pela decepção com os rumos da guerra com o Vietnã. Entretanto, seu modus operandi segue a mesma racionalidade mercadológica de qualquer empreendedor capitalista, vendendo o que a sociedade demandava – heroína em pacotinhos azuis a preços extremamente atraentes, cuja matéria prima era conseguida de um modo um tanto subversivo – através do aparelho de guerra . Afinal, um negro transpõe as barreiras do gueto e ousa romper com aquela conveniente geografia de uma ordem secularizada.

A cena em que sua mãe diz que ela o abandonará, sua linda esposa o abandonará e seus irmãos farão o mesmo, é o corte que prenuncia o desfecho do filme. Algo entre o drama shakespiriano e universo escatológico que persegue a cultura americana.

Afinal, uma personalidade tão predadora quanto o “ Cidadão Kane ” de Orson Welles.