quarta-feira, 12 de junho de 2013

SOMOS TÃO JOVENS

Somos Tão Jovens tem o mérito de captar aquele rico momento de Brasília, talvez único ao longo da trajetória da cidade ... fruto do processo de reabertura política ocorrido pouco tempo antes.

As músicas, nem se fala, são as melhores de Renato - para min -, Geração Coca-Cola, Tédio, Ainda é Cedo, Veraneio Vascaína, Que País é Esse, Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo ... coroando com Será, primeiro hit do Legião.

Mostra um Renato hiperbólico e surpreendentemente real. Afinal, ele era muito hiperbólico e não pouco chato em suas idiossincrasias. Mas sobretudo genial, o filme teve essa importante função de resgatar sua genialidade ... esta, entretanto, definitivamente seminal. Suas melhores criações foram as primeiras ...

Seus discos Legião Urbana I e Que País é Esse, são os mais significativos e raivosos ... Pinço algumas outras músicas que gosto, Acrilic on Canvas uma delas. Não existem tantas outras ...

Há todo um caldo cultural que reverbera entre a juventude brasiliense, o qual mistura dois ingredientes contraditórios, que combinados, tornam-se explosivos - privilégio e consciência. Foi estranho ver surgir sob a aura do movimento punk inglês aquela coisa híbrida e prolífica - é verdade que por pouco tempo - denominada " o rock de Brasília "... Plebe Rude, Aborto Elétrico, Capital Inicial - que vi naqueles anos como uma banda punk de Brasília, abrindo show para o Camisa de Vênus no Castro Alves -, Legião Urbana e outros mais que não vingaram ...

A cena em que Renato e seu grupo anarquizam aquela festinha tipicamente burguesa, cantando ineditamente "Tédio" quase me fez pular da cadeira do cinema, mas pelo menos cantei junto ... Sem dúvida, se Renato foi um gênio Russo foi um incendiário ... vide aquele show de anos depois em Brasília, em que houve um grande quebra-quebra depois de um de seus famosos episódios de loucura - como um Rimbaud moderno destilando sua verve.

Chorei após o filme, já em casa. Aquele cara com voz de Jerri Adriani, teve uma importância existencialista em mim ... outros preferiam Cazuza. Não sei o por quê ... Renato o Russo ... esse Renato entrou na minha vida e me deixou emparedado.

Se você quer um pouco de sangue, vísceras e vinho ... e uma ressaca contra o mundo normal ... Somos Tão Jovens lhe inocula essas coisas.

Por A.H.Garcia

   

domingo, 21 de abril de 2013

Bravura Indômita

Bravura Indômita : foto



Filme dos irmãos Cohen. Uma exceção entretanto, entre seus filmes, que primam pelo non sense, normalmente em oposição ao moralismo suburbano e os valores dominantes de uma sociedade de massa, que presa sobretudo as aparências .... em suma, desconstroem os ícones e os símbolos de uma sociedade que se cultua como conceito de mundo.

Este filme especificamente foge dessa perspectiva crítica. Não, que não seja crítico. A abordagem épica não prejudica a estética radical dos seus filmes -, os elementos incomuns que são levantados como recursos de linguagem. Assim é, com o próprio argumento - uma garota de 14 anos, que se propõe a penetrar no universo dos homens rústicos, símbolo do oeste americano que sublima, ou recalca, a realidade histórica da formação da civilização americana - é de se notar, que no território indígena em que se passa parte do filme não há um índio sequer; aliás há apenas um, que negocia cadáveres em troca de pequenas coisas da civilização dos brancos.

Entretanto, eles conseguiram fazer um filme de farwest notável, peculiar na sua composição dos personagens - anti-heróis da saga da conquista do oeste.

Uma garota de quatorze anos, cujo pai foi assasinado; um velho delegado, registrado como caçador de recompensas ( ex-soldado sulista ) e um incauto cawboy vindo do norte, que copia Buffalo Bill em seus trajes, e é talvez o personagem mais risível e parecido com aqueles que normalmente povoam os filmes dos irmãos Cohen. A garota, não me recordo o nome, os outros dois, Jeff Bridges e Matt Dammon.

Foi melhor farwest que vi em muitos anos. Os planos utilizados na filmagem lembram os filmes de John Ford - grandes pradarias e montanhas se misturam a florestas que me remetem à transição dantesca dos círculos do inferno ... onde alguns tipos da epopéia americana são revisitados. Uma odisséia pelo  imáginário dos desbravadores das fronteiras americanas e seus fantasmas. Não há remissão possível, além da morte.

Por A.H.Garcia
   

domingo, 3 de fevereiro de 2013

LINCOLN



Lincoln. Daniel Day Lewis. São indivisíveis e indivíduos. O ator foi capaz recriar o personagem histórico, de forma orgânica tal, que não consegui distingui-lo daquela persona - elaborada de forma impecável e representada melhor ainda.

Longe de ser um aspecto único, que refira-se apenas ao desempenho do ator protagonista da história, a sua atuação caracteriza-se por catalisar os demais elementos da cena para si. O nome da obra, de qualquer forma, já pressupõe essa função ao personagem; mas depois de ver o filme, não posso dizer que outro ator poderia fazê-lo - repito, ele recriou o homem Lincoln. Embora a composição do personagem tenha claramente se calcado emblematicamente em todos aqueles atributos morais, religiosos e políticos que são referidos histórica e psicologicamente à figura de Lincoln, a atuação do ator é essencial.

A perfeita correlação entre o rico argumento, o roteiro e a narrativa de um período histórico que ficou marcado por um acontecimento que resultou em um trauma nacional profundo, a Guerra de Secessão, recalcado sob o manto da vitória da democracia, traduziram-se em um excelente filme, que longe de exaltar o papel e a figura de Lincoln, contextualiza-o.

O enraizamento e a profundidade dos valores que, ainda hoje, demarcam atavicamente o núcleo moral do povo ou nação dos Estados Unidos da América, como o pragmatismo que permeia o conceito de democracia - aliás, muito peculiar, embora funcional; a onipresença colateral da guerra como solução e o radicalismo puritano, caracterizado por uma ética protestante fundamentalmente interrelacionada a uma teoria messiânica do fim do mundo, são o pano de fundo histórico e material de um mundo em processo de eclosão do modo de produção capitalista.

Este é substrato no qual a discussão sobre a escravidão é colocada no filme.

E é sintomática a morte do personagem. Consequência inelutável de uma sociedade que cultiva o absoluto poder do indivíduo ... antes mesmo do cidadão ... o indivíduo é o caráter da imanência dos Estados Unidos da América, e ele precede até mesmo a Deus - talvez isto explique quantos presidentes assassinados em uma das primeiras nações republicanas.

Resta aqui, dar os parabéns a Spielberg e nos render ao magnífico Daniel Day Lewis.

Por A.H.Garcia