sábado, 19 de maio de 2012

O Corvo

Não se diga que o filme não exerce algum fascínio; fascínio este contudo bastante pasteurizado. Tem-se um cenário e uma atmosfera - luz e fotografia - dignos das obras de Poe. Essa é a excelência do padrão hollywoodiano, uma produção impecável - aliás, uma característica também observada nos filmes ingleses de época, com a vantagem de uma mediação histórico-materialista refinada.

O argumento do filme no entanto, é de uma tolice pueril na sua pretensão de ser um triller. A parte ficcional é cheia de vazios, devido a um roteiro baseado em clichês e numa mitologia de segunda categoria.

John Cusack é um ator que nutro até uma certa simpatia, devido provavelmente à sua larga carreira no cinema - e uma filmografia interessante, que nos últimos anos vem se acomodando ao status quo. Entretanto, não seria absolutamente indicado para o filme, por não possuir a densidade imprescindível e o distanciamento inexorável necessários para o personagem, contraditório, esquizóide ... resultou em um Poe para crianças, sequer para adolescentes.

O filme é um bom entretenimento. Assiti-o sozinho ... mas, tive uma experiência interessante. Havia uma mulher também sozinha, a qual me causou uma sensação de mistério  e um sentimento de enlevação, características do romantismo do qual o próprio Poe se nutriu esteticamente à época. Para mim, foi o grande mote do filme - a sublimação tão cultuada pelos românticos ...

A personagem Emily entretanto, cuida de trazer algum estilo ao filme, notadamente quanto à sua beleza e arrebatamento, um traço comum às damas da época -, entre as restrições sociais e os apelos da libido -, em uma sociedade repressora e moralista, após um século marcado pela libertinagem e desvio incestuoso -, como resultado sobretudo da afirmação das relações familiares baseada na tradição reformista calvinista.

Ah! Os corvos também estiveram muito bem.


Por A.H.Garcia

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Segredo




Este título está em português, mas ao contrário da maioria dos que são acometidos de tal aberração ... este retrata de alguma forma o assunto do filme. Tenho certeza contudo, que ele não dá conta da complexidade do significado do título original em inglês, seja ele qual for ...

Gostaria apenas de destacar as atuações de Gene Hackman e Faye Duneway . E a discreta performance do então novato Chris O'Donnell.

Existem filmes que nos fazem chorar ... no entanto, poucos filmes o fazem tocando visceralmente as feridas que afligem a alma humana. Somos levados pelas mãos dos personagens de Gene e Faye, a experimentar o sofrimento reservado àqueles dominados pela ignorância - e alienação - de si mesmos; aqueles que são títeres de uma sociedade anacrônica, cuja ordem é caoticamente simbolizada pelos grilhões da força e do privilégio racial, persistente em boa parte do Sul dos Estados Unidos.

Há uma cena entre os personagens de Gene e Faye, particularmente de uma densidade dramática - para mim, única ... Ele, um condenado à morte por injeção letal, pelo assassinato de crianças em uma explosão; ela, sua irmã, criada como ele sob um regime de ódio brutal e intolerância. Um reagindo, o outro se mortificando. O encontro entre eles é inicialmente de uma frieza esterilizante, uma distância interposta pela costume da brutalidade nas relações sociais, e familiares, que estigmatiza exasperadamente os papéis do homem e da mulher - esta um ser passivo e sem alternativa. Uma atmosfera carregada impregna a cena, uma mistura daquele ódio secular e do afeto reprimido entre dois irmãos, que mal se falaram durante toda sua existência debaixo mesmo teto ... até que, em determinado momento tudo fica tão claro pra eles - esse panorama infernal, de incompreensão e ignorância ... e há uma troca de olhares, que desvela tudo naquele átimo de toda uma existência, e a catarse surge de maneira silente e delicada, no abraço final de ambos.

Estou crispado agora, quando me lembro ... o filme vale por essa cena, embora tenha uma pano de fundo bastante realista da época em que foi realizado em 1996.

Assistam.        

Por A.H.Garcia

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vingadores ou Mitômanos

Acabei de assistir ao filme Os Vingadores, com minha filha. Revisitei aqueles super-heróis, categoria criada por hollywood e apropriada pela mass média e o inconsciente coletivo da sociedade americana, como a galeria de ídolos aparelhados para a guerra ... ou a inóspita missão de existir  - em todo caso, muito mais decorrente dos mitos puritanos, que remontam às repressões verificadas na Nova Inglaterra, como a caça às bruxas e as lendas fantásticas que alimentam até hoje os arquétipos que estão por trás daquele sistema moral -, mas que se baseiam na estrutura clássica das mitologias, com referências diretas ou indiretas.

O efeito disso é um artefato muito palatável para nós ocidentais - termo em desuso, com a miríade de novas referências, o qual ainda considero, entretanto, fundamental e radical. A forma apresentada é de um padrão preciso, recorrendo ora a uma panacéia antropológica ora a uma visão behaveorista característica da cultura dos Estados Unidos.

 Porque ver ?  Porque não ? O filme é bom, diverte ... Cá pra nós, os americanos sãê pais da HQ, eles dominam essa linguagem como ninguém e tem criado muita coisa legal sobre o assunto ... as melhores têm uma visão escatológica ou pessimista do mundo - e impregnam à priori alguns desses super-heróis, contudo não se generalize ou se engane, sua massificação seguiu uma orientação decorrente da "politica da guerra fria".

Ah! Nós gostamos muito do filme ... regado a muita pipoca e refrigerante.

Tenho que mencionar entretanto, que preferi o retrato dantesco do inferno de "Constantine".

Por A.H.Garcia