domingo, 28 de maio de 2017

171 - Negócio de Família

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171 - Artigo do código penal brasileiro, para contravenção por estelionato. Uma espécie de tabu, afinal ninguém gosta de ter um estelionatário na família - pelo menos, oficialmente. Sem contar as questões de ordem moral - ou amoral - que a "atividade" implica, considerando o estágio do aparelhamento institucional legal desde o final do século XIX para penalização dessas incursões marginais, que foram reprimidas e controladas por normas historicamente emuladas na escala civilizatória das sociedades hodiernas e seu arcabouço jurídico-político, que vai  se consolidando massivamente à par de uma sociedade cada vez mais complexa e controlada.

Nos Estados Unidos, é o arquétipo do herói, perseguido e criminalizado pelas instituições oficiais, que plasmam o país -, obsediado por seu poder redentor ... Nós, temos o nosso, com as mesmas ambiguidades, mas o contrário daquele, um anti herói - como Macunaíma, antítese da eugenia...

O tema da série em um país como o nosso é muito rico, pois trata de contradições inerentes às questões éticas, e seus desdobramentos morais nas relações sociais, em todas as suas variantes, em uma sociedade que basicamente se retroalimenta das diferenças baseadas nos valores aparentes - dignos de uma comédia de erros -, e na teoria republicana dos sistemas penais. Isto gera distorções - impunidade e privilégios, por exemplo.

O desenvolvimento da narrativa, mesmo se tratando de uma série semanal, é calcado em um roteiro muito bom, difícil de se ver ...  A história e seu texto têm um formato familiar à alma brasileira - que, incrivelmente pouco se vê na teledramaturgia brasileira, despojada dos excessos do artificialismo e dos clichês que delimitam os nossos textos, e ficam na superfície das comédias de costumes estereotipadas.

É difícil situar o seu gênero, algo que transita entre a tragédia e a comédia, mas não se consegue definir como tragicômico, devido à riqueza de sua problemática, que extrapola o indivíduo tratando-o, expõe sua alma e a alma de um país procurando uma identidade, assolado por uma farsa que consome sua energia descaradamente, e expõe problemas de estruturas anacrônicas e instituições viciadas.

Delicioso ver o cinismo de de Moreira e sua trupe, falando da malandragem genuína brasileira, e de suas falas impagáveis sobre assuntos seríssimos, porque são assuntos que já deveriam ter sido resolvidos... Só nos cabe rir da situação com a picardia que ela merece.

Personagens ricos, dramáticos e reais, em toda sua dimensão e sua acidez. Conflitos intestinamente expostos, que são um rolo compressor sobre a hipocrisia, uma reação a esse estado de fragilidade humana, de uma moral falida, de um país insulado em sua própria merda...

Direção de Roberto D'Ávila, cortes inteligentes dos episódios, a química do elenco é muito interessante, passeando fluidamente entre o drama e  a comicidade, o enfoque cultural de um microcosmo como o Bexiga, que pelos planos e suas imagens, de alguma forma passei a conhecer... São aspectos a se ressaltar.

Talvez a Universal não tenha percebido a amplitude do subliminar "dos círculos do inferno". A minha impressão é que estamos purgando os nossos pecados, sem contrição...

Ave 171 - Negócios de Família.


Por A.H.Garcia