sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CAPOTE


Estou vendo o filme Capote agora, em canal fechado. Se não me engano Philip Seymour Hoffman concorreu ao Oscar - e ganhou - por este filme. É propositado falar desse filme agora, pois o eixo do história gira em torno do processo de escritura do livro "A Queima Roupa", por Trumann Capote.

Trata o livro de um caso real de duplo assassinato de mãe e filho, após a invadirem a casa das vítimas, por dois até então pequenos delinquentes, no interior dos Estados Unidos. Capote pretendeu escrever um romance jornalístico sobre o caso - o qual foi um divisor de águas em sua atribulada existência, tanto do ponto de vista pessoal como profissional -, sendo ele também, no fundo, um ser marginal, que desejava atrair a atenção, os afagos e a fúria de uma sociedade superficialmente mundana; no entanto, estruturalmente puritana.

Quanto ao próposito do filme, ou mais especificamente do livro sobre o qual gira sua narrativa - isto, na década de 60 -, os acontecimentos falam por si ... ou melhor, o seu desenlace. A virulência latente que se aloja no limbo de uma sociedade cuja cornucópia, falo ou obelisco reflete a diferença entre vencedores e fracassados - sem remissão possível, esse status só poderá ser alcançado pelo sacrifício final. Temos aqui a morte, como o fim de tudo, aquilo que estanca e esteriliza - como patologia e remédio de uma panacéia imemorial.

A hiperexposição, o espetáculo como um ritual indispensável - descritos em outras tantas formas midiáticas por Baudrillard, sendo a guerra expressão suprema delas. Parece-me que tem a haver com tudo o que ocorre hoje - uma decisão final ... para um mundo datado.

Capote, filme de 2005, é ao mesmo tempo o testemunho íntimo de um homem e de uma sociedade.  

Por A.H.Garcia       

sábado, 17 de novembro de 2012

Uma Canção Para Bob Long


Filme independente norte-americano de 2004. Preciso dizer que, se há alguma humanidade no âmago da raça humana, do homem cuja natureza é essencial para sua compreensão para além das convenções urbanas, das estratégias de poder e controle social e da idéia de contemporaneidade de uma sociedade apolínea e compressora, como é notadamente aquela em que se passa a narrativa ... essa humanidade se derrama em cada momento desse filme.

Canção para Bob Long é uma história dos párias, daqueles que ficaram para trás, que bordejam o nosso mundo "perfeito"  - sublimado, recalcado, varrido, limpo e ascético -, a sociedade de Huxley - castrada e imunizada.

New Orleans é o pano de fundo perfeito para a rede de relações que se vai descobrindo no filme. Tempo e espaço - passado e presente se emulam em diferentes noções de tempo - costuram a cosmogonia de um mundo dilacerado e, no entanto, lúdico - para não dizer lírico ... o que explicaria esse aparente paradoxo ? Acho que a essência, essa profunda e latente força subterrânea e anímica, que Marcuse chamaria de instintos dominados por uma sociedade cada vez mais esquizofrência e insaciável.

Poderia também denominá-lo pretensiosamente como a forma mais próxima do super-homem, na sua face cósmica, na sua negação metafísica, de um ser ombreado a Deus - como se refere em diversos momentos do filme o personagem de Travolta - herói Nietzschiano-, e, no entanto humano, demasiado humano.

Este pequeno prólogo sobre a história, tenta apenas dar a dimensão que ela tem ... a de lançar uma luz sobre a estrutura primitiva, reducionista e autoflagelante de uma sociedade com laivos de um puritanismo anacrônico, que há muito deixou de ser um valor radical e não se contenta em ser uma representação simbólica do "Novo Mundo".

Travolta é o astro do filme, no sentido literal do termo, tanto por seu desempenho - recheado de pequenas performances musicais, como um menestrel apocalíptico ou trovador mundano daqueles arrabaldes de New Orleans -, quanto pela importância do personagem no enredo que beira a uma fábula absurda.

Os diálogos e cenas que compõem o texto do filme, primam pela universalidade de seus temas humanistas, sobretudo humanos. A linguagem ora sofisticada ora mundana, é digna das tradições modernas da história e da literatura norte-americana, a exemplo da eloquência  telúrica de Walt Whitman, e mesmo das citações de trechos da obra do escritor Robert Frost - talvez até um alterego do personagem Bob Long.

Enfim, Travolta se entrega totalmente ao personagem - uma resposta àqueles que o marcaram num passado já não tão recente como Toni Manero, o ítalo-americano estereotipado de Os Embalos de Sábado à Noite.

Também Scarlett Johansson, no tom correto do personagem - ela, na época, ainda uma atriz que estava surgindo, pouco afeita a papéis mais densos, que, como veremos depois, não foram tantos ...

Gabriel Macht, ator que não conhecia, está carregando o filme junto com Travolta, não que o filme seja ruim, mas porque eles têm um peso específico fundamental no drama ou pathos da história. Gostaria de ver outros filmes deste ator, pois ele se saiu muito bem na pele de um personagem muito complexo, se utilizando de uma abordagem existencialista, lastreada em uma linguagem corporal que vai se modificando durante o texto - há uma correlação íntima entre a verbalização e a expressão corporal, talvez devido a uma grande direção de atores, o que pelo desempenho geral observado parece ter sido o caso.

Os outros atores acompanham os protagonistas e a rigor conseguem retratar de forma leve o panorama da história - um canteiro de flores malditas, de ervas daninhas em meio ao suntuoso e artificial jardim da America ... como no início do filme, quando a personagem de Scarlett refere-se a uma flor selvagem que viceja à beira da estrada. Uma metáfora bem direta.

O filme mais importante deste século na filmografia norte-americana.


Por A.H.Garcia


      

sábado, 19 de maio de 2012

O Corvo

Não se diga que o filme não exerce algum fascínio; fascínio este contudo bastante pasteurizado. Tem-se um cenário e uma atmosfera - luz e fotografia - dignos das obras de Poe. Essa é a excelência do padrão hollywoodiano, uma produção impecável - aliás, uma característica também observada nos filmes ingleses de época, com a vantagem de uma mediação histórico-materialista refinada.

O argumento do filme no entanto, é de uma tolice pueril na sua pretensão de ser um triller. A parte ficcional é cheia de vazios, devido a um roteiro baseado em clichês e numa mitologia de segunda categoria.

John Cusack é um ator que nutro até uma certa simpatia, devido provavelmente à sua larga carreira no cinema - e uma filmografia interessante, que nos últimos anos vem se acomodando ao status quo. Entretanto, não seria absolutamente indicado para o filme, por não possuir a densidade imprescindível e o distanciamento inexorável necessários para o personagem, contraditório, esquizóide ... resultou em um Poe para crianças, sequer para adolescentes.

O filme é um bom entretenimento. Assiti-o sozinho ... mas, tive uma experiência interessante. Havia uma mulher também sozinha, a qual me causou uma sensação de mistério  e um sentimento de enlevação, características do romantismo do qual o próprio Poe se nutriu esteticamente à época. Para mim, foi o grande mote do filme - a sublimação tão cultuada pelos românticos ...

A personagem Emily entretanto, cuida de trazer algum estilo ao filme, notadamente quanto à sua beleza e arrebatamento, um traço comum às damas da época -, entre as restrições sociais e os apelos da libido -, em uma sociedade repressora e moralista, após um século marcado pela libertinagem e desvio incestuoso -, como resultado sobretudo da afirmação das relações familiares baseada na tradição reformista calvinista.

Ah! Os corvos também estiveram muito bem.


Por A.H.Garcia

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Segredo




Este título está em português, mas ao contrário da maioria dos que são acometidos de tal aberração ... este retrata de alguma forma o assunto do filme. Tenho certeza contudo, que ele não dá conta da complexidade do significado do título original em inglês, seja ele qual for ...

Gostaria apenas de destacar as atuações de Gene Hackman e Faye Duneway . E a discreta performance do então novato Chris O'Donnell.

Existem filmes que nos fazem chorar ... no entanto, poucos filmes o fazem tocando visceralmente as feridas que afligem a alma humana. Somos levados pelas mãos dos personagens de Gene e Faye, a experimentar o sofrimento reservado àqueles dominados pela ignorância - e alienação - de si mesmos; aqueles que são títeres de uma sociedade anacrônica, cuja ordem é caoticamente simbolizada pelos grilhões da força e do privilégio racial, persistente em boa parte do Sul dos Estados Unidos.

Há uma cena entre os personagens de Gene e Faye, particularmente de uma densidade dramática - para mim, única ... Ele, um condenado à morte por injeção letal, pelo assassinato de crianças em uma explosão; ela, sua irmã, criada como ele sob um regime de ódio brutal e intolerância. Um reagindo, o outro se mortificando. O encontro entre eles é inicialmente de uma frieza esterilizante, uma distância interposta pela costume da brutalidade nas relações sociais, e familiares, que estigmatiza exasperadamente os papéis do homem e da mulher - esta um ser passivo e sem alternativa. Uma atmosfera carregada impregna a cena, uma mistura daquele ódio secular e do afeto reprimido entre dois irmãos, que mal se falaram durante toda sua existência debaixo mesmo teto ... até que, em determinado momento tudo fica tão claro pra eles - esse panorama infernal, de incompreensão e ignorância ... e há uma troca de olhares, que desvela tudo naquele átimo de toda uma existência, e a catarse surge de maneira silente e delicada, no abraço final de ambos.

Estou crispado agora, quando me lembro ... o filme vale por essa cena, embora tenha uma pano de fundo bastante realista da época em que foi realizado em 1996.

Assistam.        

Por A.H.Garcia

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vingadores ou Mitômanos

Acabei de assistir ao filme Os Vingadores, com minha filha. Revisitei aqueles super-heróis, categoria criada por hollywood e apropriada pela mass média e o inconsciente coletivo da sociedade americana, como a galeria de ídolos aparelhados para a guerra ... ou a inóspita missão de existir  - em todo caso, muito mais decorrente dos mitos puritanos, que remontam às repressões verificadas na Nova Inglaterra, como a caça às bruxas e as lendas fantásticas que alimentam até hoje os arquétipos que estão por trás daquele sistema moral -, mas que se baseiam na estrutura clássica das mitologias, com referências diretas ou indiretas.

O efeito disso é um artefato muito palatável para nós ocidentais - termo em desuso, com a miríade de novas referências, o qual ainda considero, entretanto, fundamental e radical. A forma apresentada é de um padrão preciso, recorrendo ora a uma panacéia antropológica ora a uma visão behaveorista característica da cultura dos Estados Unidos.

 Porque ver ?  Porque não ? O filme é bom, diverte ... Cá pra nós, os americanos sãê pais da HQ, eles dominam essa linguagem como ninguém e tem criado muita coisa legal sobre o assunto ... as melhores têm uma visão escatológica ou pessimista do mundo - e impregnam à priori alguns desses super-heróis, contudo não se generalize ou se engane, sua massificação seguiu uma orientação decorrente da "politica da guerra fria".

Ah! Nós gostamos muito do filme ... regado a muita pipoca e refrigerante.

Tenho que mencionar entretanto, que preferi o retrato dantesco do inferno de "Constantine".

Por A.H.Garcia