domingo, 12 de outubro de 2014

NASCIDO PARA MATAR (1987)

De inicio procurei transliterar o título original do filme: Full Metal Jacket, Nascido para Matar . À tal significação, temos uma expressão significante que remete ao argumento do filme: - Homens que são privados de qualquer autoestima e sentimento por seus semelhantes, e doutrinados para matar ;  de forma análoga, são aquelas balas, disparadas por uma máquina de matar. Anátemas: guerra, genocídio, horror, banalidade.



Como diria Renato Russo na letra da música "Soldados", provavelmente contemporânea do filme: - Quem é o inimigo ...   Quem é você ...

Não se pode atribuir apenas às cenas de violência, a linguagem do filme. O fenômeno aqui se funde à imagem. O texto, no entanto, como um feixe de elocuções desconexas, reflete de forma fragmentar a perplexidade e a terrificante sensação que aqueles homens sentem ... as palavras e os diálogos, ásperos, são, agora, novamente, a representação moral - e letal - das contradições que o filme evoca, como só Kubrick sabe fazer ...

As falas dos personagens da ação da história, são como disparos denunciando a cadeia de poder que os levou até a ali, das decisões que são tomadas por alguém completamente dissociado deles ... não há ilusão ...

A câmera de Kubrick dá fluxo a tudo isto, em seu peculiar enquadramento, de pouquíssimos planos durante a parte em que transcorre as cenas de guerra, privilegiando os closes e travelings nervosos, que revelam o paroxismo e a eletricidade capturados na cena.

Até o final, com um corte abrupto, desvela o vazio e o absurdo daqueles acontecimentos, que, longe de serem épicos, serão recalcados por toda uma nação, como rejeitos históricos.

Acho que filmes como Platoon e Apocalipse Now tentam exorcisar esse trauma, enquanto que este Nascido para Matar, tenta reproduzi-lo em toda a sua malignidade.                

Por A.H.Garcia

domingo, 28 de setembro de 2014

O RITUAL




O Ritual causou-me impressão, tal o seu viés positivo. Pudera, depois vi que fora baseado em um caso real.

Entretanto, creio que tal característica não advém da história que ele reproduz, mas da sua objetividade. É muito interessante ver isto em um filme, visto não ser esse um atributo comum na linguagem deste veículo. Talvez porque, seu tema seja aquele que mais move a humanidade desde o nascimento de cristo ... até mesmo, antes de cristo. E navega no nosso subconsciente desde a nossa criação, a criação da civilização ocidental, à frente de qualquer outra premissa filosófica ou escola metafísica, ombreando-se epistomologicamente à noção de ciência.

De fato, a dualidade bem e mal surge com a religião e seus ritos. Estamos falando aqui da religião ocidental - a própria. Nenhuma outra contém seus alicerces ontológicos ... Nenhuma outra lhe é original - na significação como consubstanciação metafísica, nem na deificação humana, e, consequentemente, dos seus conflitos.

E Roma, portanto, não poderia deixar de ser o palco dessa narrativa. Tampouco, seu argumento não poderia deixar de ser o exorcismo, como suprema representação do bem e do mal, como luta onipresente, paralelamente desde o início dos tempos.

Interessa no filme, o conflito entre Deus e o Diabo, que está na essência da religião como a entendemos, e a solução encontrada na dialética que é o seu motor, verbalizada pelo então cético  e conflituado padre, em sua catarse, de que " ... se o Diabo existe, Deus existe ...",  é a redução mais positiva que já ouvi sobre o tema.

De resto, a atriz brasileira Alice Braga tem mais uma atuação consistente, juntamente com Anthony Hopkins e um ator, que faz o protagonista da história, o qual não sei o nome no momento, compõem um trio afinado, que dá correto o tom de ambuiguidade e gravidade ao tema. Sem contar, a participação especial de Rutger Hauer.

Por A.H.Garcia   

terça-feira, 8 de julho de 2014

O Grande Assalto e ...




Neste fim de semana assisti a dois filmes que não entraram no circuito comercial. São eles, “O Grande Assalto 11.6”, 2014, com François Cluzet, e “Na trilha do Assassino”, 2009, com Russel Crowe. Neste último, dois atores jovens, John Foster e Sophie Traub roubam a cena.
  
 Ambos os filmes, em sua gramática, traem aspectos que se relacionam ao formato, o gênero e a sua classificação como filmes de ação e tensão psicológica, mediante a desconstrução de alguns signos deste tipo de linguagem - por exemplo, foram suprimidos os clichês que delimitam este formato, assim como o andamento mais lento das cenas e o foco na concepção mais densa e ambivalente dos personagens.

Em "O Grande Assalto 11.6", um motorista de caminhão de transporte de valores rouba a carga que transportava no valor de onze milhões de euros - valor aqui tão significativo quanto a dimensão da sua ação, contraditória e impactante; ou quanto à sua motivação subversora em contraponto ao objeto em questão, símbolo de status e poder. Subversão e Ordem refletem a significação que se alterna de forma orgânica durante toda a narrativa, composta de momentos fragmentários com sequências que vão se adensando com o isolamento do personagem.

Uma narrativa aparentemente lenta em seu andamento, esconde uma inconformidade latente que  vai se saturando, como uma bomba prestes a explodir.

Um tratamento interessante do tema, que aborda com propriedade o lugar do indivíduo na sociedade. E o peso desta sobre ele, se utilizando de um recurso documental sobre como as pessoas vêem não só a ele como a si mesmas, quando indagadas sobre seu comportamento - como se fosse um make off.

Ao final, o protagonista é capturado na tela, como um flagrante de sua condição, dando voltas concentricas em um pequeno espaço. O pequeno espaço social que lhe fora antes reservado, foi transmutado agora em um pequeno espaço físico.

"Na Trilha do Assassino" reflete a transfiguração do sistema em um detetive - com requintes de um estoicismo puritano, cuidando de sua esposa em estado vegetativo. Acrescente a isto, um casal de jovens psicopatas.

Um quadro em que ninguém deste triunvirato é normal ... ou, o que é normal ?  O texto parece tratar da entropia no limite do que é classificado pelos órgãos de controle, como dentro e fora do padrão; da margem de indução que permeia tal noção, como forma de exercer a autoridade e de impor a disciplina em uma sociedade com a característica volátil de uma sociedade como a norte-americana.

Temos portanto, laivos de um reacionarismo de direita, tão radicalmente liberal, que ao indivíduo (detetive) cabe o papel do estado, ministrando doses de justiça conforme sua vontade. Há aqui mais uma vez o conflito entre Subversão e Ordem, agora no entanto interiorizado dentro do sistema.

A viagem dos personagens é cheia de meandros, que se compõem de lugares, armadilhas e desejos em conflito. O desenlace final da história tem a intensidade dramática das grandes tragédias gregas, e como estas fundado em um pathos que determina o destino de todos os envolvidos.



Por A.H.Garcia

sexta-feira, 20 de junho de 2014

The Walker ( O Acompanhante )

Gostei do título em inglês tanto quanto o título em português. Há um mesmo significante nos dois, uma característica linguística muito peculiar em se tratando dos termos que são arranjados para suas denominações.

Estou até o momento ouvindo a música de fundo dos créditos finais, uma mistura interessante de música incidental com uma interpretação feminina, um tanto andrógina, temática e percursiva - muito apropriada aliás ao seu fim ...

Já havia observado nas barras de programação, o título, que me chamara a atenção. Então abri mais o set-up, e vi os nomes de dois atores instigantes - por motivos variados  e aleatórios -, Woody Harrelson e Kristin Scott Thomas ... achei a dupla inusitada.

Me propus a ver o filme, e dei de cara com um grande ícone de cultura cinematográfica americana, Lauren Bacall. Ainda em plena forma, dando uma dimensão bastante simbólica ao argumento do filme: um complexo de elementos genealógicos, puritanos, políticos e finalmente psicológicos, que sobretudo são profundamente simbióticos, em se tratando do jogo e das relações de poder de uma casta invisível sob a pele de sociedade democrática.

"O acompanhante" é história de uma pária para a sua própria casta social - nunca pensei sobre este aspecto em uma sociedade de massa, como a americana -, das famílias tradicionais de Washington D.C.. Mero acompanhante de senhoras casadas com figuras proeminentes da política e do poder, por um desvio psicológico ligado à sua relação com o pai -, que provavelmente determinou também sua homossexualidade, um tanto indefinida -, um grande político herdeiro de uma tradição familiar no poder, a qual parecia ter se encerrado com ele, Carter Paige III.

Um assassinato, pathos recorrente em uma boa trama, e a original sacada das contradições morais e do jogo de aparências do poder, tratados com uma leveza surpreendente, traduziram-se em uma interessante narrativa calcada em episódios carregados a um tempo de gravidade e cinismo, e de aspectos temporais, como por exemplo o comentário do personagem sobre a caça às bruxas após o 11 de setembro, que retratam um painel realista sobre aquele contexto.

Um final condizente com a moral da história, onde os ricos e poderosos são poupados do julgamento público e suas mulheres continuam sendo a consciência comprada com o status quo, reunindo-se em clubes exclusivos. O aspecto freudiano, ou como diria uma amiga - lacaniano - foi a percepção do "acompanhante" do fato de sua relação com pai ser determinante em seu comportamento subserviente, e da sua posição passiva socialmente -, recusando conscientemente aquele modo de vida.

Bom, certamente é um filme ácido demais para o circuito comercial, e inteligente também, o que não é qualidade recomendável na maioria dos casos.

Aconselho.  

A.H.Garcia