segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ciclo Stanley Kubrick

“ O Lutador ”

Em “ O Lutador ”, Kubrick usou suas experiências como jornalista, para fazer um filme quase documental em que acompanha a trajetória de um lutador de boxe, nos momentos que antecedem o combate. Foi um filme sem muita repercussão, que basicamente retratou os bastidores e a preparação de um lutador antes de entrar na arena – assim como o fizeram séculos antes os gladiadores. Embora com uma outra roupagem e regras mais civilizadas, no combate moderno a morte também poderia ser um dos possíveis desfechos ...

Entretanto, o que chamaria a atenção da crítica neste filme, não seria esse aspecto de crônica marginal. Mas a forma como o diretor conseguiu evidenciar a plasticidade da luta, acompanhando de perto todos os seus movimentos, criando uma atmosfera fria e dramática do evento. Enquadrando a perspectiva sob a ótica da platéia, sutilmente contraposta à figura do homem – ao mesmo tempo Quixotesca e Titânica.

Enfim, “O Lutador” chamou a atenção pela sua fotografia privilegiada, provavelmente fruto da experiência que Kubrick adquirira sobre essa técnica, em sua breve e precoce passagem como jornalista e fotógrafo.

Este foi seu primeiro filme. Contudo não foi ainda um longa metragem.

Seu próximo filme foi um longa “Noir”, de produção independente e atores desconhecidos, sobre a relação entre um lutador de boxe fracassado e uma dançarina da noite. Nesta película, o lutador veio a se tornar também um assassino, já demonstrando seminalmente a queda por temas que revelassem a perversão como uma extensão da sociedade civilizada.


“ Spartacus ”

Seu primeiro filme da fase holywoodiana. Reuniu grandes atores como Lawrence Olivier, Kirk Douglas, Charles Laughton, Peter Ustinov etc., entretanto já aí ele não demonstrou se sentir muito à vontade com o Mainstream.

À abordagem dos grande épicos preferiu focar os personagens, praticamente dividindo-os entre aqueles cuja violência era a única linguagem que conheciam – os gladiadores -, e que não apresentavam grandes nuances psicológicas, e a elite romana, retratada como casta de valores decadentes, que vivia urdindo planos de tomada do poder sob a égide do “Senado Romano”, uma instituição falida como representação popular. Os Patrícios eram manipulados pelos Senadores, em seus projetos de poder.

Mais uma vez Kubrick recoloca o tema da perversão como fenômeno social, uma disfunção da civilização. Ao se rebelar, aqueles que eram objeto da crueldade patrocinada pela casta da nobiliarquia da república, catalisam a insatisfação latente de um império decadente. Entretanto, como um pathos constante na obra de Kubrick, aquilo que parece estar controlado por mecanismos remotos, de repente aflora de forma selvagem e bárbara.


“ 2001 – Uma Odisséia no Espaço ”

À época considerada uma obra que sintetizou o limiar de uma nova era – pela justaposição inicial a tudo o que havia sido feito até então, através da metáfora das descobertas datadas da pré-história do homem ... com um corte abrupto para esse mesmo homem, no Século XXI . Uma nova perspectiva do que viria a ser a Ficção Científica Moderna, realmente sua linguagem foi precursora de muitos outros filmes que o sucederam.

Outro aspecto importante, o Estético. A existência da gravidade como elemento real, que mantém uma ordem universal, foi magistralmente expressada espatifando o simulacro, através do qual o espaço infinito era reduzido a um mundo de quimeras, muito mais assimilado ao inferno subterrâneo de Dante.

Porém, a grande revolução apontada pelo filme foi o advento da Era da Informação, onde as relações humanas agora eram permeadas pela interferência da máquina. Não é à toa, que um computador dita o destino de toda a tripulação da nave. Este dispositivo neuro-cibernético é propositadamente assemelhado ao comportamento e às reações do homem, nominável, que veio a se tornar um organismo auto-destrutivo – mote observado em toda a obra de Kubrick, em que, mesmo não sendo de “esquerda”, são as contradições do próprio sistema que o levam a um processo de decadência. Em uma análise mais acurada dos temas recorrentes nos seus filmes, essa decadência nunca origina uma nova perspectiva mas desemboca em um movimento catártico, desprovido contudo das teses da terapeutica psicanalítica tradicional, entretanto muito crítico do viés psico-social da sociedade capitalista puritana.

Embora frio, é um marco do cinema: cheio de significações que mostram a transformação tecnológica, em andamento, da era da industrial para a era da informação, e suas conseqüências antropológicas – porque este sempre o foco de Kubrick, o homem.


“Laranja Mecânica”

Laranja Mecânica pode até parecer em seu texto, um filme que captava o prenúncio do movimento “Punk” em sua virulência urbana. Entretanto, foi muito além em suas pretensões temáticas, e, sobretudo, estéticas.

O protagonista longe de ser um proto-punk, não tem motivação alguma para agir como age. Nem crítico das instituições, iconoclasta, ou de origem proletária, antes de tudo ele parece viver num limbo social, o qual lhe permite ser apenas o que é – um produto de alguma ideologia alienígena totalitária.

A geografia e geometria das cenas se parecem com “2001...”, com ambientes claustros, que sugerem uma forma entrópica de enquadramento, com distorções de imagem e travellings ... portas que são a separação entre o devaneio e a realidade – um traço lúdico, talvez influência da fábula de Lewis Carrol – Alice, no País das Maravilhas.

Mais uma vez, a temática da perversão como um sub-produto social é o que sobressai na narrativa de Kubrick ... entretanto dessa vez ele incorpora como pano de fundo, sutilmente, a tessitura de uma superestrutura jurídico-política totalitária, seguindo uma perspectiva, sobretudo na época em que foi feito o filme, observada em outros filmes como “1984”, e mais tarde “Brazil, o Filme”... O que, do ponto do vista da economia política da reforma do Estado, na Inglaterra, era um assunto bastante em voga, que veio a culminar com a desestatização de muitas empresas inglesas na governo Margareth Tatcher, “ A Dama de Ferro ” ... mais uma vez a vida imita a arte, ou, pelo menos, há uma relação de imanência entre ambas.

Outros filmes : "Glória feita de sangue", "Lolita", "Dr. Fantástico" e "O Iluminado".
Por Antonio Henrique Garcia

sexta-feira, 25 de julho de 2008

HANCOCK

Assisti a um filme muito legal esta noite, em uma das salas do CINEMARK ...

Hancock é sem dúvida um herói diferente. A saída para sua genealogia foi bastante interessante, com uma narrativa que tem o grande mérito de ser incidental, lastreada em um argumento extremamente conciso e um pathos, que tem como principal elemento o conflito entre tempo e história. Isto decorre tanto de citações que beiram o épico, quanto da justificativa mitológica encontrada como um cascalho de diamante bruto.

Resulta assim, um filme de super-herói plenamente fundamentado esteticamente. A dicotomia entre homem e mito é dinâmica, contrapondo eternidade e mortalidade. Diria que é um Highlander mais real - série de filmes protagonizados por Cristopher Lambert, sobre o herói mitológico das terras altas da Escócia, que viaja no tempo.

A relação entre os dois protagonistas, mesmo monossilábica, é significativa. Representa a luta existencial entre possibilidade e impossibilidade, ou seja enquanto um não tem projeto e é um ser marginal, apartado, creio que baseado no conceito de autores e diretores clássicos americanos como Howard Hawks e Budd Boeticker, do herói solitário; o outro, abdica de seus poderes para se encaixar em uma vida padrão com família etc. Existe uma nuance radical nessa confrontação, enquanto um representa o caos, o outro pretende modificar o mundo pela difusão do amor e da compreensão.

Alguma relação com a política externa americana ?

Há ainda uma galeria de tipos que beiram a caricatura, que seria talvez a visão que os deuses – gregos, romanos, nórdicos etc. – teriam dos humanos.

O resto, são efeitos especiais, porém justificadamente utilizados na composição do filme, consolidando o seu discurso. A música, provavelmente segue a linha de Will Smith, com muitos rap’s e outros estilos neo-urbanos que denotam uma atmosfera conflagatória à narrativa.

Filme estrelado por Will Smith e Charlize Theron. Vale pelos ícones, e ambos o são. Vale a pena assistir, como entretenimento e mais ... Todo filme tem algo além, subliminar ou espetacular !

Por Antonio Henrique Garcia

quinta-feira, 17 de julho de 2008

DREAMGIRLS

A saga de garotas da periferia de Detroit em busca do sucesso como cantoras de Rythim&Blues. Entretanto, muito mais do que isso elas buscam se libertar daqueles grilhões que as mantêm como objeto sexual, com todas as sujeições que isto representa. Elas buscam a realização total como mulheres e cantoras, o que no universo em que se passa a narrativa desemboca em um complexo de preconceitos e sentimentos encarniçado das relações humanas, em um contexto, apesar da época do filme – anos 70 -, ainda muito machista e chauvinista.

O história do filme retrata também a forma selvagem como eram tratados os negócios, mesmo dentro da comunidade negra. Homens e Mulheres eram manipulados pelos magnatas das gravadoras - Motown etc -, servindo aos seus propósitos mercadológicos, os quais, em se tratando de uma população cuja música “Gospel” era algo quase sacro, se conflitavam com uma raiz cultural extremamente presente no cotidiano da população negra.

O filme emana muito sentimento, catarse, e a emancipação por parte das protagonistas de um sistema que reproduz a divisão de classes, valor social dos brancos, no âmbito da sociedade negra.

Entretanto, apesar do seu realismo, não deixa de ser um musical que mistura muito drama. O que o faz uma combinação explosiva, além disso composto por um elenco bastante afinado, principalmente porque em sua grande maioria por negros. Jamie Fox, Beyoncé, Eddie Murphy – com uma caracterização muito representativa do títere, de caráter fraco -, encabeçam um grande elenco.

Acho que aqui no Brasil, tivemos um filme com a mesma temática, que foi o “Meninas do ABC”, que trata dessas questões como sobrevivência, busca pelo sucesso, afirmação social, realização pessoal etc.

Enfim, um grande filme, contudo disponível atualmente apenas nas locadoras.

Por Antonio Henrique Garcia