segunda-feira, 29 de setembro de 2008

"Mama Mia"

Certamente a dimensão colossal, que, por exemplo, o próprio Henri Miller, através de recursos a topônimos, atribui às diversas passagens que constituem a história da civilização helênica, ou mesmo a dimensão humana de uma nação composta por homens e mulheres que são o registro vivo de valores e tradições, pulverizados por séculos de existência -, que se escondem sob maneiras pouco ortodoxas, uma geografia acidentada, manifestações rudimentares etc... sob o manto de um encanto visceral. Colosso e Visceralidade, como pretendia Henri Miller ... isto não se terá em “Mama Mia”.

Entretanto, não se está falando de literatura mas de cinema – embora esta diferenciação seja em vários casos conveniente, e é este o caso. As poucas manifestações típicas foram notoriamente estilizadas, mas de qualquer forma esta não era uma preocupação estética ou mesmo do texto. A atmosfera está mais para “Xanadu”, com Olivia Newton Jonh, contudo as locações originais e a opção pela superficialidade como limite no enfoque de todo aquele microcosmo – que já foi material para “Zorba, o Grego” -, funcionaram bem no estilo e no gênero escolhidos.

Gênero, musical. Timing frenético. Trilha toda calcada na sonoridade melíflua do ABBA e um tratamento contemporâneo na contextualização da narrativa. Até o lado kitcsh e fake e os estereótipos, compõem a atmosfera leve e a efemeridade das coisas, que dão uma agilidade pandemônica às seqüências, tendo como contraponto de fundo um cenário mítico. Entretanto, o resultado não é leviano: não há contradição temática entre filme e história.

O mote do filme, a começar pela trilha sonora - para os padrões atuais anacrônica -, continuando com a menção a temas como casamento, relacionamentos livres, panteísmo, religião e costumes ortodoxos, internet e isolamento, parecer ser o cogito sobre a imbricação entre o velho e o novo, e da relatividade das suas conceituações e rotulações.

De resto, as passagens são deliciosas para quem já ouviu e, também, os que ainda não tinham escutado o ABBA, sobretudo a forma como os temas foram tratados com situações emblemáticas, inteligentes e risíveis, por personagens centrais que poderiam ser caricatos não fosse sua radical sincronia com o mundo real – homens e mulheres de meia idade, e suas diversas opções existenciais.
Por Antonio Henrique Garcia

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A Outra

“ A Outra ”, como título, sugeriria várias interpretações decorrentes de suas diferentes conotações no tempo e no espaço, na condição de uma verdadeira entidade ou instituição para-familiar. Entretanto, parte a narrativa de um ponto de vista comum – o da concubina, amante etc. - evoluindo para uma trama urdida por uma mulher, cortesã e arrimo de uma família decadente cujo único patrimônio era seu título de nobreza, móvel conveniente nas relações de poder que prenunciavam o nascimento de um estado central, representado na figura do Rei e todo o aparato que o orbitava.

Contudo, a pretensão de se criar um enredo a partir de um fato histórico emblemático e de desdobramentos tão importantes para civilização ocidental, pegando carona no formato trágico, careceu de um tratamento mais profundo tanto na construção quanto na direção dos personagens. Ponto para a caracterização de um ambiente amoral, em uma época que ainda oscila entre costumes bárbaros e a secularidade eclesiástica.

Entretanto, a crueza que permeia toda ação da trama, demanda uma elaboração estrutural mais consistente. A personagem de Ana de Bolena, não encontra seu arquétipo, elemento fundamental na construção de um personagem trágico. Suas ações resultam deslocadas, sem referência essencial. A tentativa de fazê-la protagonista do contexto histórico no qual se insere a trama -, que vem a ser o argumento do filme -, resulta uma referência episódica desprovida de força anímica, o que paradoxalmente a aproxima da história oficial, da qual se tentou desprender. Mesmo a tentativa do incesto – não sei se fato ou não – soou estranhamente puritana... um belo exercício.

O final no entanto reserva o momento mais coerente do filme. A postura do monarca, é plenamente justificável no âmbito do contexto da narrativa e da história; o sacrifício como pena e forma de submissão é um modelo e costume introjetado na sociedade – o catártico espetáculo da execução -, preservado como instituição pulverizadora das inquietações sociais.

A perspectiva dedicada pelo filme à futura ascensão da princesa Elizabeth, indicando iminência de um novo momento histórico-civilizatório é também um feliz epílogo encontrado para o desfecho do filme.
Por Antonio Henrique Garcia